Em entrevista ao site do PT Paraná, a vereadora Professora Josete fala sobre os desafios da atuação parlamentar num espaço predominantemente masculino.
A vereadora Professora Josete concedeu uma entrevista falando sobre quem é ela e quais os desafios que as mulheres encontram no parlamento municipal, composto por 38 vereadores, dos quais apenas cinco eram mulheres nas duas últimas legislaturas, número que agora subiu para seis. Ela lembrou das diferenças entre trabalhar como professora da rede municipal de ensino e como vereadora. A importância da discussão sobre o papel das mulheres na sociedade também foi discutida. “A data precisa servir para a reflexão, e não apenas para vender e ganhar flores, até mesmo porque, historicamente, o dia surgiu como forma de lembrar a luta das mulheres, a busca da igualdade”, afirma a líder do PT na Câmara Municial de Curitiba.
Confira a entrevista na íntegra:
Quem é Josete Dubiaski da Silva?
A Josete é uma mulher que veio de uma família humilde. Mãe professora, irmã professora, irmão professor. Não iniciei minha militância no movimento estudantil ou na igreja, como muitos militantes do PT. Acabei me interessando por política quando entrei na Rede Municipal de Ensino. Foi em 1985, quando ainda existia a Associação do Magistério Municipal de Curitiba – naquela época os servidores públicos não podiam constituir sindicato, então eles organizavam-se em associações. Cada escola tinha um representante na Associação. Na primeira escola onde eu trabalhei, ninguém queria cumprir esse papel, pois era preciso ir às reuniões que ocorriam mensalmente. Eu me interessei e todo mundo disse: “Então vai você, Josete!” (risos). No começo, eu ficava meio perdida, mas acabei participando das reuniões todos os meses e acompanhando as discussões políticas. Era uma associação que tinha um perfil de sindicato, não tinha um caráter assistencialista. Era um espaço de defesa dos direitos dos professores da rede municipal.
Em 1989 teve a efervescência das eleições, com o Lula como candidato à presidência. Comecei a me aprofundar e discutir política. Aí tive uma caminhada no sindicato, num primeiro momento como representante, depois fui para a direção e assumi a presidência na seqüência. Foi um momento interessante de abertura democrática no Brasil e eu tive a oportunidade de participar desses espaços e começar a questionar a lógica da sociedade em que vivíamos. Minha filiação ao PT, em 1990, foi uma coisa natural: por conta da atividade sindical, acabei conhecendo pessoas do partido, participando de algumas atividades e decidi me filiar. Enfim, eu tive oportunidades e vivi num momento histórico que me possibilitou uma compreensão e uma reflexão sobre nossa realidade.
Hoje você se considera mais vereadora ou mais professora?
Eu continuo me considerando mais professora. A tendência de uma pessoa quando ela entra na política é a de construir uma carreira e continuar. Ou não… Às vezes não se reelege ou se frustra demais, acha que não vale a pena, como há exemplos no próprio PT. Pessoas que tinham uma atuação importante, mandatos interessantes, acharam que não valia mais a pena. Mas eu sempre disse isto em vários momentos: pra mim, se amanhã eu tiver que ir pra escola, não vai ser nenhum drama, porque era uma coisa que eu gostava muito, principalmente com as crianças menores. Tenho muita saudade e, de alguma forma, aquele é um espaço que depende muito mais de você do que de outras pessoas. Lógico, não estamos isolados da sociedade. Os alunos que chegam ali trazem os seus problemas, e a escola também deve ser uma construção coletiva. Tem coisas que não dependem do professor, mas muitas coisas devem ser resolvidas por ele. E ele pode ver o resultado do seu trabalho mais rápido, de perto, ao perceber a diferença em uma criança, como ela começou o ano, em fevereiro, e como ela chegou ao fim do ano. Por isso eu digo que é muito mais gratificante você ser professor do que vereador.
Já a Câmara é um espaço que, para as mulheres, é mais difícil ainda, porque a lógica desse espaço é masculina. E, além de masculina, é machista. Pra conquistar espaço aqui, uma mulher tem que atuar melhor do que qualquer homem, porque a crítica é muito maior sobre nós, principalmente quando a sua opção é ser uma vereadora de esquerda – isso é remar contra a maré.
Falando nisso, o que é ser a Professora Josete na Câmara de Curitiba?
Minha atuação aqui dentro é muito importante, porque tenho um perfil diferente dos outros vereadores. Quando você faz a opção consciente de trabalhar na rede pública é porque você já tem projeto diferenciado de educação também, você está trabalhando para a grande maioria dos alunos que são filhos da classe trabalhadora, dos excluídos. Esse tempo que eu tenho de caminhada, desde 1985 na rede, traz um acúmulo e uma vivência nas comunidades e periferias que muitos vereadores que estão aqui não têm. Alguns até têm uma origem humilde, certa convivência com os bairros, mas o projeto deles é muito mais individual do que de transformação da vida das pessoas que estão lá fora. Quando eu me proponho a debater algum projeto ou tema, eu me coloco enquanto professora, mulher, enquanto filha de uma professora humilde e de um alfaiate que teve a oportunidade de estudar até a quarta série. Por isso é muito legal estar nesse espaço. Não foi uma coisa que eu, Josete, conquistei sozinha. Foi um espaço conquistado por um grupo político que acredita que o parlamento é um lugar pra se buscar justiça social. Eu sei o que estou fazendo aqui dentro e quando eu faço qualquer debate, ele acontece nessa lógica.
Existem vereadores que representam projetos de setores e empresários, como os do transporte coletivo e do mercado imobiliário – isso é bastante claro em Curitiba. É interessante a minha presença para fazer o contraponto, o enfrentamento, que, logicamente, é bastante difícil, porque o ambiente é totalmente inóspito (risos) para o projeto que represento.
O que é mais difícil dentro da CMC: ser mulher ou ser de esquerda?
As duas coisas são difíceis. Mas é mais fácil ser um homem de esquerda, do que uma mulher. Ter um posicionamento político diferenciado da maioria significa estar o tempo todo no enfrentamento, que em alguns momentos vai até para o lado pessoal. Como esse é um espaço machista, em muitas vezes os vereadores desqualificam as mulheres. Eles reproduzem a idéia de que quem demonstra seus sentimentos é mais sensível, mais fraco e, portanto, não está preparado para este espaço.
Hoje muitos daqueles que em vários momentos faziam provocações para me desequilibrar aprenderam a me respeitar e têm outra postura. Eles começaram a entender que “apesar de ser mulher e de chorar algumas vezes”, eu cumpro o que me proponho a fazer, coisa que muito homem não faz aqui dentro. E isso incomoda muita gente, pois eles são forçados a reconhecer que uma mulher é capaz de enfrentar essas situações difíceis, mantendo a postura que sempre teve, defendendo os princípios nos quais acredita.
O que dá mais prazer em ser vereadora?
O que me realiza é quando eu vejo que, de alguma forma, o trabalho que eu fiz atingiu as pessoas. O momento que me deixou mais feliz foi quando ouvi um relato de uma pessoa próxima ao mandato. Dentro do ônibus, ela conversou com uma mulher que mora no Tatuquara e que era vítima de violência do marido. A mulher estava desesperada, porque tinha duas crianças e não conseguia sair daquela situação. A mulher leu a cartilha e tomou coragem de buscar aquilo que era de seu direito; separou-se do marido e está com os dois filhos. Ela estudava à noite, fazia educação de jovens e adultos, e pediu mais cartilhas, porque identificou que muitas mulheres da turma dela passavam pela mesma situação. Depois de um tempo, eu fui à comunidade para conhecê-la.
Aquele material foi muito bom, porque fez com que ela percebesse que não precisava continuar vivendo daquele jeito. Ela despertou para um problema que não era só dela, que era coletivo e que acabou criando um sentimento de solidariedade, de busca de justiça. Só esse fato já valeu os quatro anos do mandato. Que bom se todas as iniciativas que tomamos aqui pudessem atingir ainda mais pessoas como ela e ajudá-las. Isso é o que me realiza.
Como você enxerga a data do Dia Internacional da Mulher?
É um momento importante para a reflexão – na minha visão política. Mas acho muito ruim a comercialização da data. Seria importante fazer um debate sobre qual é o verdadeiro papel das mulheres na sociedade, a necessidade de elas participarem de todos os espaços, inclusive os do poder, a questão da igualdade… É um hábito da nossa sociedade colocar as mulheres em um patamar mais baixo, como se elas não tivessem outras atribuições e vontades além das de cuidar dos filhos, da casa, da família. O papel do cuidado, dos filhos, dos idosos, é atribuído somente à mulher. Nessa lógica capitalista, acaba sendo muito reforçado esse papel, na construção social do que é ser mulher. Não que a atenção e o cuidado sejam características ruins, isso é bom, mas não é algo tido como exclusivamente feminino. Os homens também podem ser sensíveis. Muitas vezes, a sociedade diz que a sensibilidade é uma característica negativa para eles, que precisam ser agressivos, impositivos. Precisamos combinar essas características, no sentido de entender que a sensibilidade, a emoção, o afeto, são importantes para todos os seres humanos, e não apenas para a mulher. A replicação desse modelo histórico acerca do papel social da mulher faz com que seja perdida a oportunidade de discutirmos vários pontos importantes, como a questão da renda e da pobreza, que é maior entre as mulheres, e também a desvalorização delas no mercado de trabalho, comparativamente aos homens.
Nesse aspecto, a forma como a data é enfocada pela mídia, acaba tornando-a negativa, um oito de março mais pela comemoração à mulher “que cuida do marido, que é dedicada, que cuida da casa, que lava a roupa” e, que, além disso, “precisa ser bonita e magra” – como se essas coisas fossem as mais importantes. A data precisa servir para a reflexão, e não apenas para vender e ganhar flores, até mesmo porque, historicamente, o dia surgiu como forma de lembrar a luta das mulheres, a busca da igualdade.
Quais são os planos para o futuro da Josete enquanto pessoa, professora e vereadora?
Separar as coisas é difícil, mas da Josete enquanto pessoa é continuar sendo alguém que de alguma forma está neste mundo para contribuir. Isso fui fazendo ao longo da minha vida no campo familiar e no meu espaço de trabalho. E continuar sendo feliz, apesar dos limites que a sociedade nos impõe – porque é difícil ser feliz percebendo a realidade que nos cerca.
Com relação à Josete professora, meu trabalho não é mais aquele de estar com as crianças e adolescentes na escola. Agora, a minha tarefa enquanto professora da rede pública aqui na CMC é contribuir de alguma forma, pelos debates de políticas públicas ou por meio de projetos de Lei, para garantir que a escola pública seja um espaço de formação humana, de resgate de valores e de qualidade, de garantir o conhecimento para todas as pessoas, porque esse é um direito de todos. E, claro, tem uma questão corporativa, que é buscar a valorização dos professores e educadores. A melhoria do país em que vivemos passa pela construção de uma educação melhor.
Como vereadora, os planos são os de continuar o meu trabalho, que é sério e coletivo, lutando por melhorias sociais e de políticas públicas também em áreas como a Saúde e a Assistência Social, na lógica do SUAS, não se pautando pelo assistencialismo, mas sempre pensando em emancipar as pessoas. Nossos projetos são esses. Temos consciência dos limites e dificuldades que estão por vir, mas buscamos acertar mais do que errar.