O mesmo prefeito Beto Richa (PSDB) que defende publicamente a licitação das linhas de ônibus de Curitiba contesta, na Justiça, a sua obrigatoriedade. A constatação é do deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) e do presidente municipal do PT, Adenival Gomes.
Através da Urbs (empresa mista vinculada à prefeitura, responsável por gerenciar o transporte coletivo), a gestão Beto Richa vem desde 2005 recorrendo contra a ação movida em 2001 pelo Ministério Público do Paraná, que defende a exigência de licitação.
“Se o prefeito de fato defende a licitação, deveria desistir de recorrer contra a decisão de primeira instância, que apontou a obrigatoriedade de uma concorrência pública”, afirma Dr. Rosinha. “Mas é visível que falta vontade política para Beto Richa contrariar o cartel de empresários que explora o setor. Em público, ele faz pose a favor da licitação. Na Justiça, trabalha contra o que diz defender.”
Tanto Dr. Rosinha quanto Adenival Gomes avaliam que Beto Richa tenta transferir à Câmara Municipal a “culpa” pela demora do processo licitatório. “O prefeito conta com o apoio fiel de 34 dos 38 vereadores”, lembra Adenival Gomes. “O fato é que o lobby das empresas de ônibus afeta tanto a Câmara quanto a Prefeitura de Curitiba.”
Richa alega que precisa mudar a lei municipal que regulamenta o setor. Mas o fato é que a exigência de licitação é uma determinação expressa da Constituição Federal. A falta de licitação também contraria a própria Lei Orgânica de Curitiba e o Regulamento dos Serviços do Transporte Coletivo Municipal de Passageiros.
Diz o artigo 175 da Constituição: “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
Entre as competências do município, a Lei Orgânica de Curitiba estabelece, em seu artigo 11, a de “organizar e prestar diretamente, ou submeter ao regime de concessão ou permissão, mediante licitação, os serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo, que tem caráter essencial”. Determinação similar consta do decreto 210/1991, que regulamenta o transporte na cidade.
Conforme notícias veiculadas pela imprensa, a Urbs já teria um edital da licitação “praticamente pronto”. Adenival Gomes e Dr. Rosinha defendem que a íntegra dessa proposta de edital seja imediatamente divulgada, através da internet. “Com quem será que a Urbs está discutindo esse edital, entre quatro paredes?”, questiona o presidente do PT de Curitiba. “Com os mesmos empresários que ela defende na Justiça?”
Ação do MP
Desde 2001, o Ministério Público do Paraná move uma ação judicial para obrigar a Prefeitura de Curitiba a licitar as linhas de ônibus da cidade. Em junho de 2005, a juíza Fabiana Passos de Melo, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, condenou a Prefeitura de Curitiba a iniciar —e a concluir— o processo licitatório do sistema de transporte coletivo em 18 meses.
Num trecho da sentença, a juíza Fabiana Passos diz não entender porque tanto a prefeitura quanto a Urbs —empresa municipal que gerencia o setor— defendem tanto a ausência de licitação. “Não se entende por que os requeridos, gestores do dinheiro público, insistem em deixar de cumprir a lei.”
Em sua contestação ao processo movido pelo Ministério Público, a Urbs —empresa cuja diretoria é nomeada pelo prefeito de Curitiba— sustenta que há uma “relação de confiança” entre a administração municipal e os empresários do setor. “Entre o município e as permissionárias dos serviços públicos de transporte coletivo em Curitiba estabeleceu-se uma relação de confiança que não pode ser simplesmente ignorada”, alega a Urbs.
Nunca, em toda a história de Curitiba, foi promovida uma licitação sequer para a escolha das empresas que há mais de meio século prestam serviço na área de transporte coletivo. Uma única família controla pelo menos 6 das 10 empresas que operam na cidade.
Liminar em vigor
Em junho de 2001, a Justiça já havia concedido, dentro do mesmo processo, uma liminar que obriga a Urbs a realizar um processo licitatório para a concessão de eventuais novas linhas de ônibus. Desde então, nenhuma nova linha foi criada em Curitiba. A prefeitura tentou por duas vezes, em vão, cassar a liminar.
A ação do Ministério Público foi elaborada pelos promotores Maria Lúcia Moreira, Mário Schirmer, Adauto Reis Facco e Mateus Bertoncin. Todos integravam, na época, a Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público.
“É inadmissível, sob a ótica da moralidade administrativa, que se mantenha por meio de permissões, sem licitação, por prazo indeterminado, em afronta ao ordenamento jurídico”, diz trecho da ação movida pelos promotores. “E o princípio da isonomia, ou da impessoalidade da administração pública, onde ficam?”
Lei prevê licitação obrigatória:
Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Lei Orgânica de Curitiba:
Art. 11. Compete ao Município prover a tudo quanto respeita ao seu interesse e ao bem-estar de sua população, cabendo-lhe, em especial: III. Organizar e prestar diretamente, ou submeter ao regime de concessão ou permissão, mediante licitação, os serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo, que tem caráter essencial.
Decreto 210/1991
(Regulamento dos Serviços do Transporte Coletivo Municipal de Passageiros):
Art. 7º […] os serviços de transporte coletivo serão delegados mediante licitação.